Cordel


Estrada de Ferro Bragantina – Os trilhos saem do chão e viram recordação


I
Trago aqui estes meus versos,
escritos de coração
e relembro esta história,
de amor e dedicação.
Pois não me sai da memória,
o seu derradeiro apito
na estação do Taboão,
que soou tal qual um grito
no meio da multidão,
naquela noite inglória.

II
Na praça Nove de Julho,
Eis que ali jaz o trenzinho,
¬¬– nossa Maria Fumaça –
Escondida em um cantinho,
quase perde sua graça,
suja, presa, abandonada,
longe dos dias de glória,
a infeliz Número Três,
em condição vexatória,
perdeu aquela altivez.

III
Talvez recorde, saudosa,
dos anos de servidão,
da lenha que a alimentava,
que transformava em carvão,
e no ar se esfumaçava.
Saudades tem do foguista,
enchendo sempre a fornalha,
e do antigo maquinista,
salpicado de limalha...
ao som de ca-fé -com -pão...

IV
O século? Dezenove!
Empresários com visão
e fazendeiros respeitáveis
acertaram em reunião,
propostas admiráveis
de inovar a região,
facilitando o transporte
do nosso café em grão.
E a partir desse suporte,
das ideias fez-se a ação.

V
Ela se lembra tão bem...
Foi em abril – dia seis
do ano setenta e dois,
e se chamou trinta e seis,
a lei que veio depois.
A Provincial que dizia:
– inicie a construção
do trecho da ferrovia:
Campo Limpo – Taboão.
E se instaurou a alegria!

VI
Com o nome bem pomposo:
Companhia Bragantina
ela foi iniciada
e chegou nesta colina
de esperança renovada.
Era dezembro e o ano
da graça, setenta e oito.
E assim, sem desengano,
o progresso chega afoito
pelos trilhos desta estrada...

VII
No ano de oitenta e quatro
deu-se a inauguração
da linha da Bragantina
Campo Limpo – Taboão.
Esse trecho inicial,
era parte da extensão,
prevista no original
traçado da construção,
que, enfim, chegou ao final,
sem nenhuma confusão.

VIII
O trenzinho apita alegre
por uma década inteira
com a Maria Fumaça,
sempre lépida e faceira,
passando cheia de graça...
Mil novecentos e três:
eis que a nossa Bragantina
passa a ser de dono inglês.
Mais estações aglutina,
com seu jeito tão cortês.

IX
No novecentos e doze
a linha estava completa.
Quilômetros? cento e sete!
Fora atingida a meta
e mais progresso promete.
No ano quarenta e seis,
o governo federal
dá um tchau para o inglês,
devolve a linha central
pro governo estadual.

X
Durante sua existência
A Bragantina enfrentou
vários e graves problemas
quando o dinheiro faltou.
Foram muitos os dilemas:
por ter estreita bitola,
necessitar baldeações,
e a rodovia que a assola,
com potentes caminhões.
Enfim, o progresso a imola!

XI
O Governo do Adhemar,
que assumiu a Bragantina,
na década de cinquenta,
nova visão descortina
e um grande problema enfrenta:
a linha é deficitária,
manutenção onerosa,
e a classe ferroviária,
muito embora harmoniosa,
também era numerosa.

XII
O prejuízo viria
agravar-se a tal ponto
que o doutor Carvalho Pinto
logo após, no contraponto,
já declarou como extinto,
o ramal de Piracaia
e o trecho Vargem – Bragança.
E o povo, de atalaia,
foi perdendo a esperança,
prevendo maracutaia..

. XIII
Porém foi no mês de junho
do ano sessenta sete,
bem no dia vinte e dois,
que a memória nos remete
para o que veio depois:
ao dar seu último apito,
foi trancada a Estação...
Conforme o que estava escrito,
os trilhos saem do chão,
e viram recordação...

XIV
Porém, ainda faltava
dar certa destinação
aos bens e aos funcionários.
Pois com sua extinção,
os nobres ferroviários
precisavam de atenção.
A administração e a guarda
de todo seu patrimônio,
ficou sob a retaguarda
deste empregado idôneo:

XV
O meu tio Flávio querido,
que com sua competência,
inventariou peça a peça,
com inteira transparência,
porém sem nenhuma pressa.
Enfim à Sorocabana
o relatório remete
num invólucro bem bacana.
No dia sete do sete
do ano setenta e sete.

XVI
Nunca mais se ouviu o apito,
nem som de ca-fé- com- pão:
em Canedos, Piracaia,
em Vargem ou no Taboão.
Fim da Estação de Atibaia,
Arpui, Guaripocaba,
Maracanã, Batatuba...
como também se acaba
a de Yara e Caetetuba,
reinando a desilusão...

XVII
Campo Largo e Campo Limpo,
Quarenta e quatro – a Parada–
mais Tanque e Maracanã
ficaram sem a Estrada
e também sem amanhã.
Nossa Estação de Bragança
ficava no Lavapés,
também perdeu a pujança,
ao receber o revés
ficou só desesperança...

XVIII
Ainda resta de pé,
mas perdeu sua função,
a velha Curitibanos.
– Deixou de ser estação –
e após o passar dos anos,
se transformou em morada.
Assim como outras tantas
que não foram derrubadas...
Me vem um nó na garganta:
as daqui viraram nada!

XIX
À família ferroviária,
deixo aqui minha homenagem
àqueles que co’ esperança
de Campo Limpo a Vargem,
de Piracaia a Bragança,
assentaram os dormentes
e logo em seguida os trilhos.
E aos outros que, infelizmente,
sem entusiasmo ou brilhos
os arrancaram, silentes...

XX
A benção, Flávio Rodrigues!
O relato aqui contado,
foi baseado no seu texto,
muitas vezes premiado.
Escrito em outro contexto,
muito mais elaborado.
Suas palavras colhi
e com a mesma emoção,
as transcrevo por aqui,
co’a ponta do coração.

Henriette Effenberger


Meus agradecimentos à Henriette pela colaboração com esse belíssimo cordel.

Se você tem alguma história relacionada à ferrovia, pessoal ou de ex funcionários, faça como a Henriette e envie que nós publicaremos neste espaço. Ajude a manter viva a memória da Estrada de Ferro Bragantina.



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